Leonor Teles nasceu em Vila Franca de Xira em 1992. No início de 2016 venceu o Urso de Ouro de melhor curta-metragem no Festival de Berlim com “Balada de um Batráquio”. A sua segunda curta-metragem relacionava-se com a temática da primeira, “Rhoma Acans” (2012), um projeto de escola onde se confrontava com a realidade de muitas raparigas da sua idade de origem cigana. “Balada de um Batráquio” continuava a falar dessas mesmas origens, mas desta vez não dentro da comunidade, mas dos sapos que as pessoas colocam na entrada de edifícios para afugentar ciganos. Um filme punk-rock, não só pela atitude que Leonor Teles tinha para com os sapos – parti-los, claro –, mas porque sentia-se um quebrar com um passado português de “primeiras curtas”. Leonor Teles faz parte de uma nova geração do cinema português.


Esta primeira longa-metragem, “Terra Franca”, foi estreada em Março do ano passado no Festival Cinema du Réel (onde recebeu o SCAM International Award) e tem sido projetada em diversos festivais. A estreia nacional acontece no DocLisboa, em duas sessões, dia 19 de Outubro (21h30, Culturgest) e dia 22 de Outubro (14h00, Cinema São Jorge), sensivelmente um mês antes de chegar a território francês (ainda não tem data de estreia em Portugal, mas será anunciada brevemente). Em “Terra Franca”, Leonor Teles continua a falar das suas origens, desta vez do lugar onde nasceu, Vila Franca de Xira. No centro da narrativa está um pescador que todas as manhãs vai para o Rio Tejo. As rugas na cara de Albertino contam histórias únicas e à medida que as conhecemos, conhecemos também a sua família, respetivas aspirações e tensões.


É natural de Vila Franca de Xira e tem uma ligação forte à terra. Como é que surgiu o Albertino de “Terra Franca”?
Com duas coisas, com Vila Franca de Xira e aquele lugar junto ao rio que me diz muito. Aliás, sempre me disse, desde pequena, por causa dos meus avós maternos: esse lado da família tem uma ligação muito grande ao rio. Sempre pensei em como um dia gostaria de fazer um filme naquela zona, focado no Rio Tejo. O “Terra Franca” começou com esta personagem, o Albertino, que eu já conhecia. Contudo, houve um dia que fui filmar a um sítio que se chama Praia dos Cavalos, que é uns quilómetros a norte de Vila Franca, onde só se consegue ir de barco, e quem me deu boleia foi o Albertino. Fiquei com essa imagem na cabeça, comecei a perceber que a personagem indicada para aquele lugar seria o Albertino.


Como chegou a essa ideia de personagem indicada para o local? “Terra Franca” é mais do que uma história do um pescador.
Sim, começa no retrato de um pescador e abre para um retrato familiar. O filme começou com essa imagem do Albertino no barco, isso é uma coisa que se manteve presente na minha cabeça durante alguns anos. Depois gradualmente comecei a perceber que havia um outro lado, ou seja, o filme começou com esta coisa de eu ir à pesca com ele, irmos só à pesca, só filmar, de madrugada, com aquela luz brutal. Eu já sabia que isso não iria ser suficiente e comecei a perceber que outro lado do Albertino faria sentido para o filme e comecei a perceber que há um lado familiar, que é diferente do “do outro mundo”, quando ele está no rio.


Teve de esperar para filmar esse lado familiar?
Nós filmámos durante dois anos, fomos filmando. Muitas vezes íamos lá e não filmávamos sequer, estávamos só com eles. O filme é o resultado de uma partilha do tempo que estive lá com aquelas pessoas. E isso também ajuda, o tempo ajuda, ajuda as pessoas a confiarem em nós, a merecermos a confiança das pessoas. E eu sabia aqui que o tempo iria ser o meu principal aliado. E foi onde decidi investir, foi no tempo, tinha de ter tempo e disponibilidade para ir e estar com eles. E depois também aconteceu uma coisa, que eu queria desde o início: que eles próprios começassem a participar no filme. Eles sugeriam coisas. Começámos a perceber o que era importante para eles que fizesse parte do filme.


Começou a nascer um filme menos documental? Chegou a haver guião?
Só houve mais guião na segunda parte da rodagem. Já tínhamos um primeiro alinhamento de montagem e começámos a perceber o que faltava. Aí começou a entrar mais um guião. Mas nunca foi um escrito. Não é um guião dialogado. Tínhamos um objetivo para uma cena, mas a maneira como chegavam lá, isso era com eles.


Como foi dar o salto das curtas-metragens para uma longa-metragem?
Acho que foi um bocado uma maluqueira. Foi uma coisa difícil, sobretudo na montagem, na finalização do filme, foi exaustivo e supercomplexo. Mas foi algo natural, algo de que o filme precisava. Inicialmente era para ser uma curta, mas começámos a perceber que precisávamos de mais tempo e de mais espaço. E eu queria mostrar um ano da vida destas pessoas, um ano numa curta era um bocado complicado. Gradual e naturalmente o filme foi crescido para uma longa. Foi difícil, mas foi uma coisa natural.


Fazer uma longa fazia parte dos seus planos? Pergunto isto porque quando falámos, na altura da estreia do “Balada de um Batráquio” (2016), fiquei com a ideia de que não estava interessada em fazer longas.
E não estava. Aliás, não estou, gosto de fazer curtas.


Então, o que aconteceu?
O filme pedia-me isso, era uma necessidade do filme, mais do que uma necessidade minha. Tive de ouvir o filme e perceber o que precisava e ir atrás dele.


No processo todo de fazer o filme, o que custou mais? Imagino que a montagem tenha sido complicada.
A montagem foi complicada. Foi quase um ano de montagem, tivemos dois montadores, houve uma altura em que estivemos muito tempo a bater com a cabeça nas paredes, havia coisas que não funcionavam e não sabíamos como resolver. Depois… houve um dia em que as coisas começaram a funcionar e começou a encaminhar-se. Mas houve uns meses que não estava a funcionar e eu já estava a ficar aflita.


Estava à espera de ter uma boa receção para “Terra Franca” e esta presença em festivais de cinema?
Não. Nunca espero isso. A única coisa que tento fazer é mostrar os filmes quando me sinto confortável, quando sinto que eles estão prontos e quando sinto que consigo dar a cara por eles e defendê-los até ao fim. Até lá não os mostro, depois a receção já não depende muito de mim, depende de outros fatores, que fogem ao meu controlo. Só consigo mostrar quando sinto que está pronto para ser mostrado.


No que é que tem estado a trabalhar?
Trabalhei em três curtas-metragens neste ano. Agora vamos ver o que o futuro me reserva.


Voltando à conversa que tivemos há uns anos: também fiquei com a ideia de que realizar não era o que mais lhe interessava no cinema…
E não é.


E continua a não ser?
De todo.


Mas continua a fazer filmes.
Não faço assim tantos filmes. Fiz dois, um na escola e mais dois fora da escola.


Acabou o “Balada de um Batráquio” e em dois anos terminou uma longa. Parece-me um bom ritmo.
Mas já estava a fazer a longa antes. Já estava a trabalhar no “Terra Franca”. Demorei três anos e meio, desde finais de 2014 e só saiu no início deste ano. Agora, eu só vou fazer filmes quando forem coisas que me toquem ou tiver uma urgência para falar sobre determinadas coisas. Gosto de realizar e é sempre um desafio, mas prefiro sempre fotografar, é o que mais gosto de fazer, é onde me sinto mais à-vontade, o que me dá mais prazer e o que quero poder fazer mais. Realizar… vai-se vendo, se tiver uma ideia de jeito, tento, se não, estou quieta. Nunca tenho muitas ideias na cabeça. Não é do género, tenho este filme na cabeça há muitos anos, ou este não dá, agora tenho outro. Não, para mim as coisas… vão surgindo naturalmente, umas a seguir às outras. Não tenho dez projetos na cabeça.


Nos seus filmes vai muito às suas raízes. É uma coisa que a preocupa, criar um olhar das suas raízes através do seu cinema?
Não sei, sentia mais isso nos meus filmes anteriores. Agora no “Terra Franca” não sei se senti isso. Claro que queria filmar a minha terra, foi onde eu nasci, cresci, acho que isso é um lado natural das pessoas em relação ao sítio de onde vieram. Não sei se é tanto descobrir ou explorar as minhas origens, é mais: está aqui este sítio, é daqui que eu venho, vejam lá também. Mas o que eu vejo mais no meu cinema agora tem a ver com as pessoas e a relação que eu estabeleço com elas. Neste caso com a família do Albertino, com o Albertino, tem mais a ver com isso, com as pessoas que filmo e como através da partilha e do que vivemos, como é que a partir da relação das pessoas filmadas, os filmes também nascem.

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