“Baan” é um filme romântico e um retrato geracional de duas raparigas de vinte e poucos anos que começam a gravitar uma na outra entre Lisboa e Banguecoque. Um triunfo para Leonor Teles, que aqui se lança na sua primeira longa-metragem de ficção. Estreia-se esta tarde em Locarno, a concurso pelo Leopardo de Ouro

Expresso
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08/08/2023

Há filmes que são feitos para lembrar, outros preferem esquecer. Alguma coisa. Ou alguém. Com o esquecimento, talvez apareça uma nova disponibilidade. Leonor Teles não o disse diretamente mas sugeriu que foi este o caso que a levou a realizar “Baan”, um filme que se sente estar perto do osso a nível pessoal e emocional e que começou a ser escrito em 2017 pela cineasta, em conjunto com Ágata de Pinho e Francisco Mira Godinho. “Como é que depois da desilusão de uma relação falhada voltas a confiar em alguém?”, lançou Leonor numa conversa ao telefone antes do festival começar. Digamos que, sem que o filme o diga, “Baan” arranca com esta pergunta.


“Baan” significa “Casa” em tailandês. “Home” é o seu título internacional. Não é uma casa qualquer, o que está em causa é uma ideia de lar que setornou dispersa e fluída para duas raparigas na casa dos vinte anos que vão cruzar-se por acaso em Lisboa, como dois pólos que se atraem semque elas próprias saibam porquê. Essa casa, ou esse lar, em que no filme “se busca a procura de um sentimento em que qualquer coisa não está certa e que é preciso acertar” - dise Leonor esta manhã em conferência de imprensa – é “um processo de crescimento.”


E porque razão, como diz a sinopse de “Baan”, “passado, presente – e talvez futuro – entrelaçam-se num carrossel”? Porque é que Lisboa começa a confundir-se com Banguecoque e vice-versa num mesmo espaço mental feito de tempos simultâneos? L é portuguesa, vive em Lisboa, vem de uma relação falhada com um namorado que está aterminar. Empregou-se há pouco num ateliê de arquitetura em que os patrões são interpretados pelos dois produtores do filme, Filipa Reis e João Miller Guerra (passam a prova com distinção). O papel é de Carolina Miragaia (que atriz fantástica!), Leonor Teles encontrou-a no Instagram, ficou com vontade de a filmar. Todos os seus filmes desde a primeira curta-metragem têm partido da confiança ganha com estes encontros.


Já K, saber-se-á mais tarde, é filha adotiva de canadianos, cresceu em Toronto mas nasceu na Tailândia. A atriz Meghna Lall tem aliás história que, sem ser igual, é muito parecida à da personagem. Também K anda a deambular, de cidade em cidade, e sobretudo a nível afetivo, estacionando em Lisboa por motivos profissionais. As duas raparigas vão conhecer-se, falam em inglês. Há entre elas uma atração mútua, isso é evidente. “Acho que o filme deve muito ao conhecimento que se gerouentre nós.”, continuou Leonor na roda de imprensa em Locarno.“ Daquilo que a Carolina, a Meghna e eu estivemos dispostas a dar de nós próprias. Passámos muito tempo juntas, vimos e falámos muito de outros filmes. E quando começámos os ensaios chegámos às personagens intuitivamente porque o guião também estava escrito para favorecer as emoções, as reações de cada personagem a uma determinada situação.”


No primeiro plano, L está em frente ao MahaNakhon, um arranha-céusmuito célebre da capital tailandesa. A arquitectura do edifício cria ailusão de que ele está a desfazer-se. É como L se sente por dentro. Aacompanhá-la há muita música, que vem dos anos 80 (Chaka Khan abre o filme, Prince fecha-o), mas também da atriz que compõe igualmente, Carolina Miragaia, assim como de Joana Niza Braga, que misturou o som e trabalha com Leonor desde sempre (foram colegas de curso na Escola de Cinema). “Posso adivinhar que toda a gente aqui já ficou com o coração partido pelo menos uma vez na vida”, lançou a cineasta quando a música do filme se tornou assunto de discussão esta manhã. “Com o coração partido, ouvimos muita música. Para seguir em frente. Ou para chorar. É por isso que tenho tantas canções no filme. Quando acertamos na escolha, elas funcionam.”


Mas “Baan” também quer ser retrato geracional, ou pelo menos Leonor não o negou, “é natural, eu tinha a idade das personagens quando comecei a escrever esta história, estás naquele momento em que sais da faculdade e te perguntas: então e agora?” Quanto a Banguecoque, e à ponte que se cria entre o sudeste asiático e Lisboa, é coisa que vem de paixão antiga, da Escola de Cinema, “do tempo em que alguém me passou uma cassete de 'In the Mood for Love' e em que eu disse a mim própria: também isto pode ser cinema? A minha reação ao ver esse filme foi muito musical, como quando ouvimos uma nota e nos emocionamos.” É clara a inspiração em Wong Kar-Wai, ou de“Millennium Mambo”, de Hou Hsiao-Hsien, em certas cenas de exteriores - foi um filme que a cineasta citou, assim como o cinema de Edward Yang.


E Leonor concluiu: “É muito fácil quando estamos na Europae squecermo-nos do resto do mundo. E é um erro, temos muito mais em comum com ele do que pensamos. Quando abrimos os olhos ao mundo, é muito mais fácil ver aquilo que está ao nosso lado. É isto que acontece a L. No princípio, ela está muito centrada na sua própria dor. Depois conhece K. E já não pode voltar atrás porque começa a olhar de outra maneira para si própria.”

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